Superando Paulo Leminski

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Fui deitar meia hora antes do que preciso. Eu já estava calculando o tempo extra que gastaria pra pegar no sono essa noite, pensando na prova do dia seguinte. Não era qualquer prova. Se me saísse mal, não teria chance de recuperar. Ou eu passava ou já era, Joel.

Quando acordei, às sete, estava morto de sede. Mas não bebi água só pra não ter vontade de mijar na hora da prova. Por mais que eu saiba que o sistema nervoso, simpático que é, não permite esvaziar o conteúdo da bexiga, só a sensação dela cheia poderia ser fatal.

Chegando lá, sentei na calçada esperando a minha vez. Olhei discretamente em volta, torcendo pra não reconhecer nenhum conhecido. Tinha só uma ruivinha que eu já vira uma vez no prédio. Nessa hora lamentei o preconceito da sociedade que não me permitiria usar uma daquelas calças de ginástica coladas para deixar o examinador mais sensibilizado.

Inclusive! – meu instrutor virou pra mim e falou – te apresenta lá. Mas que coisa, como podia a minha bexiga estar tão cheia? Entrei no Celta. Um cheiro misterioso de mercaptana estava preso dentro do carro. Uma forma de protestar do cara que fez a prova antes de mim, reprovado por subir no meio fio. Girei a chave, baixei o freio de mão. Essa parte eu sabia bem. Minha perna esquerda tremia tanto que o controle da embreagem praticamente se deu sem a minha participação consciente. Fiz a baliza lembrando de não derrubar os bastões.

Virei à equerda, à direita, parei no pare, reduzi marcha. Em geral fui dirigindo. Só não dirigi uma palavra sequer ao examinador. Não por nervosismo, mas porque eu estava ocupado demais rezando para o carro não apagar.

Não apagou. Quando já estava no trajeto de volta, feliz, imaginando o telefonema que daria para o meu irmão dizendo “passei, yeah baby!”, surgiu um pequeno (se me permite o eufemismo hiperbólico) obstáculo: um caminhão. E ele não quis saber de parar, o que me colocou em dúvida se a preferência era dele ou minha. Aí eu lembrei que estava louco pra mijar, que estava ameaçando chover, que o examinador tinha cara de mau e que o cara antes de mim tinha subido na calçada. Só tranqüilizei quando ouvi do até então calado examinador “Porra, tem cada filhadaputa sem noção”. Era o sinal divino de que a preferência era minha.

Fim. Ele, calado, anotando um monte de coisas. Notei até gotículas de suor escorrendo de sua careca. Sr. Inclusive, pode chegar aqui. Meus parabéns, o senhor está aprovado. Só não o abracei porque achei que um aperto de mão seria mais condizente com a minha macheza. Tenha um bom dia, senhor.

Subi na bicicleta e fui pra casa, sorrindo sozinho e pensando em quanta água eu ia poder tomar agora.

 

P.S.: O título desse texto não se refere, é lógico, à habilidade de escrever, mas ao fato de que Paulo Leminski morreu aos 44 anos de idade sem saber dirigir.

3 Responses to “Superando Paulo Leminski”

  1. Lia Says:

    ….

  2. Último da chamada. Says:

    Genial, como sempre!

  3. Lia Says:

    Só o título,e sua explicação digamos,surpreendente,já bastaria pra fazer um texto..rs..
    Não desmerecendo o conteúdo(nunca!)!(ahahaha a imagem d vc fazendo tudo isso fica bem nítida..vamos ver até quando dura a bicicleta.)

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